29.10.08

Camões (já era tempo...)








Onde mereci eu tal pensamento

Onde mereci eu tal pensamento,
nunca de ser humano merecido?
Onde mereci eu ficar vencido
de quem tanto me honrou co vencimento?

Em glória se converte o meu tormento,
quando vendo-me estou tão bem perdido;
pois não foi tanto mal ser atrevido,
como foi glória o mesmo atrevimento.

Vivo, Senhora, só de contemplar-vos;
e pois esta alma tenho tão rendida,
em lágrimas desfeito acabarei.

Porque não me farão deixar de amar-vos
receios de perder por vós a vida,
que por vós vezes mil a perderei.


Alegres campos, verdes arvoredos

Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ásperos penedos,
Compostos em concerto desigual,
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
Regando-vos com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.
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