13.7.08

Mário Saa - XÁCARA DAS MULHERES AMADAS



Quem muitas mulheres tiver
em vez duma amada esposa
mais se afirma e se repousa
pera amar sua mulher;
quem isto não entender...
em cousas d’amor não ousa,
em cousas d’amor não quer!

Quantas mais, mais se descansa,
mais a gente serve a todas;
quantas mais forem as bodas,
quantos mais os pares da dança,
menos a dança nos cansa
o gosto d’andar nas rodas.

Que quantas mais, mais detido
a cada uma per si;
nem cansa tanto o que vi,
nem fica o gosto partido,
ao contrário, é acrescido
a cada uma per si!

No paladar de mudar
mais se sente o gosto agudo:
que amar nada ou amar tudo
é estar pronto a muito amar;
o enjoo vem de não estar
a par do nada e do tudo.

Mais fàcilmente se chega
pera muitas que pera uma;
e a razão é porque, em suma,
se esta razão me não cega,
quem quer que muitas adrega
é como tendo… nenhuma!

Com muitas, descanso vem,
faz o desejo acrescido:
que é o mais apetecido
aquilo que se não tem;
e o apetite é o bem;
e em saciá-lo é perdido.

Também a mulher que tem
seu marido repartido
é mais gostosa do bem
que advém de seu marido!

Tão gostosa e recolhida,
tão pronta e tão conformada,
quanto o gosto é não ter nada;
porque o gosto é ser servida
e não o estar contentada.
O gosto é cousa corrente,
e quem o tem já não sente
o gosto dessa corrida,
que tê-lo, é cousa… jazente...
que tê-lo, é cousa… perdida!

Ora, pois, nesta jornada
não vi nada mais de amar
que ter muito por chegar
e cousa alguma chegada;
não vi nada mais de ter…
que ter muito que perder…
e cousa alguma ganhada!

Mário Saa nasceu nas Caldas da Rainha em 18 de Junho de 1894. Colega de Almada Negreiros no Colégio de Campolide, frequentou vários cursos, em Lisboa e em Coimbra, não tendo completado qualquer um. Dedicou-se à filosofia, à genealogia, à geografia antiga, à poesia, à problemática camoniana, às investigações arqueológicas, e mesmo à astrologia e à grafologia. A ele se deve a fixação da data de nascimento de Camões: 23 de Janeiro de 1524. Com uma vasta obra em prosa, foi publicando a sua poesia em revistas e outras publicações. Publicou com assiduidade na revista Presença e privou com os grandes poetas e intelectuais da época no âmbito da boémia literária da Brasileira do Chiado. Faleceu no Ervedal (Avis) em 23-1-1971.

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